Este blog nada tem a ver com chips, carros e chapas de matrícula que virão a ter os ditos nas referidas, se se confirmarem os desejos do governo, o que espero que não venha a suceder. Mas tem tudo a ver com o Princípio da Incerteza de Heisenberg. E daí eu não resistir a transcrever o artigo de Carlos Fiolhais de hoje, que já tinha lido no Público e que reli agora no seu blog. Não pedi licença, nem ao Público nem a Fiolhais para esta transcrição, mas espero que me perdoem, porque apenas revela concordância absoluta. Afinal, ao contrário do que escrevi por graça no título deste postal, não se trata dum plágio, mas apenas duma cópia não autorizada:
«Minha crónica no "Público" de hoje (uma petição contra a instalação obrigatória do chip nos carros encontra-se aqui):
Conta-se uma anedota sobre Werner Heisenberg, o físico alemão que formulou o princípio da incerteza da teoria quântica. Um polícia mandou-o parar por o seu carro se deslocar com excesso de velocidade:
- O senhor sabe a que velocidade ia?
- Eu não. Sei onde estou e não se pode saber as duas coisas ao mesmo tempo!
Claro que o princípio da incerteza de Heisenberg se aplica a electrões e a outras partículas subatómicas e não a veículos. É possível saber onde está um automóvel e a que velocidade vai, mas, desde que os limites legais de velocidade sejam respeitados, essa informação não devia interessar a ninguém. O governo português, com a introdução obrigatória de um chip na matrícula de todos os automóveis, poderá vir a saber onde estamos e, porventura, também a que velocidade vamos. O nosso direito à incerteza pode estar em risco...
De pouco valeram as dúvidas levantadas pelo Presidente da República quando o governo pediu à Assembleia da República autorização para legislar sobre a utilização de um chip identificativo. E de pouco valeram as reservas levantadas pela Comissão Nacional de Protecção de Dados. O Conselho de Ministros de 5 de Fevereiro passado aprovou uma lei que poderá colocar o país vigiado por um gigantesco “Big Brother”. Se essa lei entrar em vigor, as autoridades poderão conhecer a localização exacta no espaço e no tempo dos automóveis e, cruzando essa informação com a das bases de dados que têm à sua disposição, poderão diminuir perigosamente a privacidade a que todos temos direito.
Numa sociedade livre, o cidadão deve poder ir onde quiser sem que ninguém tenha nada a ver com isso. Mas agora, em Portugal, se for de carro, terá um chip – bip! bip! - a emitir sinais da sua presença para tudo o que for portagens, polícias e sabe-se lá que mais. Eu, que decidi livremente aderir à Via Verde, sei que, pelo menos para as portagens, parques de estacionamento, bombas de gasolina, etc., a minha presença está a ser registada e espero que haja um uso limitado desses registos. Mas o que o governo pretende agora fazer tem um potencial de risco bem maior: quer impor um sistema desse tipo a toda a gente (além do mais, cobrando-nos o chip) e quer fazer um uso indiscriminado dele (por exemplo, a nova lei fala não só do pagamento de portagens mas também de “outras taxas rodoviárias e similares”, sem especificar quais elas são).
A abstrusa lei levanta dificuldades de vária ordem. O que fazer com os numerosos automobilistas que, como eu, têm Via Verde, que funciona bem? Terão de a deitar fora e comprar o novo chip? O que fazer com os veículos estrangeiros? Serão distribuídos chips na fronteira? E que confiança oferece a nova empresa a quem vai ser dado o exclusivo da gestão do sistema? Num país onde o segredo de justiça é letra morta e onde até já apareceram na redacção de um jornal listas de chamadas telefónicas do Procurador Geral da República e do próprio Presidente da República (o “envelope 9” do caso Casa Pia), será que o pior ainda está para vir?
Em países com mais tradição democrática, uma lei deste tipo teria enorme dificuldade em passar. É facto que no Brasil se discute uma iniciativa semelhante, mas, nos países anglo-saxónicos, como a Inglaterra de Orwell, o direito a “to be left alone” é um “must”. A liberdade individual é aí indiscutível. Os carros são incertos como o de Heisenberg. Aqui o governo usa a força da sua maioria absoluta para chipar os nossos carros e permanece surdo e mudo perante as vozes de muitos cidadãos, que, na imprensa, na Internet e por outros meios, exercem o seu direito à indignação. Não é um sintoma da saúde da nossa democracia que essas vozes, a avolumar-se dia após dia em petições electrónicas, sejam completamente ignoradas.
A George Orwell, o autor da frase “Big Brother is watching you” no livro “1984”, não terá passado pela cabeça que 1984 acontecesse em 2009, em Portugal. Mas estamos ainda a tempo de evitar que essa ficção se torne realidade. Chipados os carros, o que se chiparia a seguir?»
É que embora eu não tenha nada a esconder, não gosto de ver a minha vida particular devassada nem de ser seguido pelo olho do Big Brother.